"Eu penso que [a pena de morte] tem um efeito dissuasor sobre o crime, mas devemos ter a certeza de que os condenados à morte são verdadeiramente culpados" - in "Público" - 16/03/2005Erros. Poucos numa afirmação tão pequena mas demasiados.
Desconsiderando a questão de Bush Jr. pensar ou não, que muito provavelmente salta nas mentes mais inquisitivas de quem leu (Eu julgo que pensa e não me agrada o epíteto eufemista, subtil e simpático de "idiota" para quem é "mau, incompetente e profundamente errado."), voltemos à velha questão pena de morte.
O argumento é falso. Imediatamente porque a perspectiva, na minha opinião, é a errada.
Não se trata de uma questão de prova ou certeza de culpa. Trata-se da proporcionalidade da medida "morte" a satisfazer os fins da sociedade, conciliada com o
não-direito de retirar a vida enquanto punição, sob que circunstâncias forem.
O sujeito é julgado "indigno" (se bem que a expressão não me agrada) de vida em sociedade, mediante padrões pré-definidos e deve iniciar, de imediato e pelo tempo julgado necessário (variável) um processo de ressocialização. Densconsiderar absolutamente o criminoso é tomar apenas como "Sociedade" o restante, exlcuindo terminantemente o criminoso (ou julgado criminoso) da Sociedade. A pena não se pode reportar exclusivamente à restante sociedade. Os efeitos da pena devem ser o mais maximizados possível e não restritos. O efeito inibitório (ou dissuasor) é proveniente do juízo de censura a determinado comportamento, não directamente da pena, ou tamanho da mesma. Até que ponto podemos ter a carga de juízo de censura como variável da pena aplicada? Melhor, até que ponto o podemos ter apenas? A variável deve necessariamente (se bem que não exclusivamente) incidir sobre o grau de culpa, repercutido na duração do processo de ressocialização.
Fazendo uma ponderação, e admitindo todos os pontos de vista, valerá mesmo a pena abdicar da regra de base (que ninguém, nem os pró-pena de morte, critica) de
não-direito a retirar a vida enquanto punição, pelo simples didactismo para com o "rebanho tolo" (expressão de Chomsky) de potenciais criminosos? Porque levado ao extremo, não se anda muito longe do enforcamento na praça pública da Monarquia Parlamentar de Cromwell e da Revolução Francesa. A base argumentativa é a mesma. Só que em época de maior pudor, basta uma comunicação social adequada a fazer levar notícia que "X praticou Y e recebeu Z, por isso
cuidado!".
A questão é basicamente a de que até que ponto é legítimo instrumentalizar a vida humana para que possa servir de exemplo. Abdicar e riscar em absoluto, o criminoso da sociedade. Porque a finalidade é, no fundo, ainda e sempre a de expiar o criminoso dos seus pecados. Como pecou, prevaricou, enfim fez mal...apaga-se o cidadão e instrumentaliza-se a sua vida (ou perda de) em mensagem pedagógica, transmitida aos demais "criminosos em potencial" (já alguém disse que somos todos...), para que vejam, para que aprendam e para que se tinham ideias, mesmo inconsciente de pecar, as percam. E o criminoso alcança a redenção. Quase que morre pela causa. E morrer pela causa tem muito que se lhe diga. Por mim, acho absolutamente errado, nesta e na maioria das situações. Ninguém se vai lembrar do número de execuções e dos crimes praticados, seja em criminalidade psicopata, passional ou mesmo ocasional. É o que penso.
Os motivos não são tão facilmente condicionados. Assumir isto é abdicar de pensar numa melhor forma de os inibir. E abdicar lateralmente de princípios básicos e traves mestras de uma sociedade civilizada, tal como a maioria a concebe.
Mas mesmo que a questão se colocasse apenas em termos de certeza de culpa.
Para além do efeito inibitório não conhecer grandes dias (as estatísticas comprovam que a criminalidade não baixa e, pelo contrário, não aumenta nos Estados abolicionistas) o que é a certeza da culpa?
Tentando perceber um bocado o sujeito da afirmação, a certeza da culpa só se aplicará a crimes previsto e punidos com pena capital? Deve existir legislação especifica com grau acrescido de prova para crimes supostamente "graves"?
Muito simpático da parte dele, não se referir à vertente punitiva da pena em questão, o que desde já é um considerável avanço de mentalidade.
Agora, em que termos se pode concretizar, num processo judicial, uma certeza suficiente (suficiente seria, neste caso, irrefutável) de culpa? Equivale a desconsiderar uma certeza "maximizada ao máximo" de culpa em todos os restantes crimes? Quais as possíveis consequências da afirmação?
Esta preocupação recente e demagógica não me serve.
E gostava de saber se existiu toda essa averiguação obstinadamente cuidadosa nas cento e trinta sentenças de execução assinados em 4 anos de mandato no Texas.
Como em qualquer outro país, China, Coreia do Norte, Irão, Cambodja, Singapura...
Mas os EUA é que são civilizados. Eles é que são civilizados...