Fica-lhe bem apenas o facto de ter sido o primeiro a acabar com esta ridícula mania do candidato a candidato. Aliás, fica-lhe menos mal, porque Jerónimo de Sousa já tinha cortado a direito.
O combate político vindouro que ilustres analistas têm perspectivado e com o qual, sorridentes, tanto se têm regozijado, lembra-me a patética antevisão de um combate de boxe americano.
A democracia não é o "Thrilla in Manila" entre o Muhamad Ali e o Joe Frazier. Nem o "Rumble in the jungle".
Estou-me perfeitamente nas tintas (e espero não ser só eu) para pesos pesados recauchutados e o frissom da imprevisibilidade de um resultado tão supostamente taco a taco. Interessam-me outras coisas.
Interessa-me que, se Soares e Cavaco nos deixaram legado político (bom ou mau), é óbvio que relativamente a legado de formação política, neste país de idólatras, em parte graças a eles, estamos às escuras.
Porque ou não há ninguém, ou o temor reverencial (do qual, pelo menos, Helena Roseta não padece) é simplesmente demasiado.
Reflectiram, desdisseram-se e reflectiram, voltaram a desdizer-se para se candidatar.
Quando todos sabemos que não é, nem foi bem assim.
O período de reflexão foi brutal, enorme. Todas as condicionantes devem ter sido cuidadosamente ponderadas e a decisão foi sempre periclitante até que à última, hoje, Soares pendeu para o sim. O outro ainda pondera circunstâncias infindáveis.
Infelizmente, constato que o problema não é
em que é que eles reflectem.
O problema é
o que eles reflectem.
Reflectem um falso e bacoco espírito de missão, qual junta de salvação nacional, um papado de transição (no caso de Soares), um apego ao poder quase salazarista, o gosto (um pouco ao jeito de António Vitorino, mas superior) pela canalização do protagonismo e a razoabilidade da indecisão.
Reflectem a tábua rasa da rotatividade democrática e reflectem ambos um enorme desrespeito pela cultura partidária.
Soares e Cavaco, esses dois
monstros políticos, subiram a um pedestal superior, quase transcendente, do alto do qual já não se encontram cativos da cultura de partido. Cavaco Silva, esse então, demonstrou-o sem qualquer pejo, durante mais de cinco anos.
E, tristemente para o nosso país, vão sendo estas coisas, e não outras, que ajudam a decidir o voto.
E, muito tristemente, são estas coisas que me ajudaram, ainda tão longinquamente, a decidir o meu.