“J. G. Frazer, antropólogo social britânico, afirmou que a manutenção da ordem e da autoridade do Estado é essencialmente garantida pelas superstições das massas, coisa que, diga-se de passagem, ele considera ser um mau meio para atingir uma boa finalidade.”- Robert Michels
Esta concepção não anda muito longe da de Karl Rove, ideólogo da campanha republicana de George W. Bush., onde os governantes personificam uma espécie de figura messiânica para o eleitorado em geral, criando a convicção da necessidade, incontornabilidade e inevitabilidade do Estadista. Mas, com maior ou menor importância, espalha-se um pouco por todo o lado.
Nos actos eleitorais autárquicos, em concreto, os portugueses, este efeito é potenciado pela proximidade que se verifica entre os eleitores e os candidatos aos vários órgãos autárquicos. Frequentemente se recorre à utilização das características pessoais do elegível como “palavra de ordem” de campanha. Assim, a propaganda exerce-se através da venda omnipresente de conceitos como
“confiança”, “segurança”, “modernidade”, “futuro” ou
“desenvolvimento”. Face ao uso de expressões, aqui ocas mas de aceitação unilateral (quem questiona o futuro, o desenvolvimento, a segurança?), o eleitorado depara-se com um progressivo esvaziamento de ideias, de debate ideológico ou de medidas concretas.
Esta é uma instrumentalização propagandística que se entranha no quotidiano do cidadão comum, desde as caixas de correio, o para-brisas do carro, os postes de electricidade ou moopies estrategicamente colocados em locais de grande afluência à extrema afectuosidade dos mercados e das feiras.
Em período de campanha, o eleitor é permanentemente condicionado na sua escolha política, por esta espécie de formatação conceptual de expressões progressivamente esvaziadas de sentido e, especialmente de critério eleitoral. Assim, cada vez mais desprovido de dados informativos ou pressupostos que lhe permitam uma mais consciente escolha eleitoral e bombardeado com programas cada vez mais abstractos, fluidos e de aceitação generalizada, o eleitor comum não tem grande forma de avaliar da aptidão ou inaptidão de um qualquer candidato para o desempenho de tarefas políticas, quando confrontado com a presumível “confiança”, “segurança” ou modernidade da sua actuação. Até porque, em termos psicológicos, o eleitor por vezes nem encara o ou os candidatos de uma perspectiva dinâmica, mas tão só de uma perspectiva estática, no acto eleitoral. Sujeito é de confiança, sujeito transmite segurança. Os quatro anos de mandato e o projecto político são uma realidade que muito poucas vezes é, sequer, avaliada.
Esta formatação densifica-se mais ainda na venda da imagem do político, que, quando em confronto com os seus pares, baseia a comunicação com o eleitorado na discussão daquelas que são as suas potencialidades pessoais, mais do que num debate centrado naquelas que deveriam ser as pautas do debate autárquico: as medidas concretas, a água, o saneamento básico, as muralhas do castelo, os cemitérios, os logradouros, os transportes, as acessibilidades, as escolas... Questões minoradas até pelo próprio eleitorado quando confrontado com as mais requintadas técnicas de marketing que se materializam nos sacos, nas canetas, nas pulseiras e autocolantes, no táxi social para idosos, nos cento e vinte mil lugares de estacionamento, nas autarquias que avançam, nas equipas de confiança, nas freguesias que merecem mais ou melhor. Um ex-libris do vácuo propagandístico:
“Lisboa não é isto, Lisboa é gente.” Perante tamanha evidência, arriscaria, tamanho clarão ofuscante do óbvio, o feedback do eleitor comum será precisamente:
“Ok, Lisboa é gente.”Não se afigura como resposta possível "
Não, Lisboa nunca é gente!". Muito menos "
Claro, Lisboa é precisamente isso! Lisboa é gente!" Isto se não é manipulação de concordância, é vazio absoluto.
E o que sobra? Sobram as cores, a dimensão ortodôntica e sorridente do candidato, o ambivalente traje formal ou informal, (cuidadosamente alternado entre diferentes cartazes), por forma a cativar sempre um maior universo eleitoral. São estes os instrumentos e os critérios facultados ao eleitor para o exercício do acto democrático último: o voto.
Este desvio de prioridades, que não pode ser entendido como inocente (grave preclude inocente, na maior parte das vezes), parte precisamente dos supostos cidadãos mais responsáveis, naquele que é um progressivo processo de desresponsabilização, no que à informação do eleitor diz respeito e que é absolutamente imprescindível ao direito de voto.
E neste sentido, o direito de voto traveste-se de mero direito formal, faltando os meios essenciais para que possa ser livremente exercido, mais precisamente os canais informativos que permitam ao cidadão proceder à escolha, obnubilada por trivialidades.
Tal vacuidade culmina com uma aproximação um incitamento à gratidão e retribuição do eleitor, colocado numa situação devedora num negócio de generosidade. “Quem fez isto por si?”
O exercício do voto é transformado na cobrança de uma suposta dívida. E quem a paga é a Democracia.
17 Novembro
Lux e Zé Gato